3 de novembro de 2008

Max da Fonseca



Max da Fonseca. Eu o classificaria como um garoto que muitos dos mais velhos gostariam de ter sido quando eram garotos. Ele evolui e modifica a sua forma de escrever numa velocidade estonteante, como é típico na adolescência a inconformidade constante. Ele é severo consigo mesmo no que concerne aos seus versos e sabe o quão bom é. Como já disse, "todo artista tem um pouco de prepotência dentro de si".

Seus versos possuem um forte impacto, sendo este o principal ponto da poesia de Max, já que ele não possui uma linha de pensamento definida: pode escrever sobre qualquer coisa em qualquer época, sua criatividade é invejável e sua inspiração vem da essência do mundo como ele o vê. Cada poema seu merece ser lido várias vezes, só para que se sinta a sensação causada pelos versos, para que possamos sentir raiva, amor, inveja e sentimentos tantos que são comunal a muitas vidas e que o poeta Max consegue transmitir com primazia.

Esse é um dos seus sonetos, forma de escreve em que um dos seus poetas favoritos, Augusto dos Anjos, adotava com constância. Ele disse que só voltará a escrever poesia neste formato quando dominar totalmente a métrica; então saboreiem uma jóia deste jovem e bom poeta.



Salvo

Nasci nu e vestido já estou em lucro.
Reviro os cacos de sonhos passados,
Perdidos, de um derrotado, sozinho,
Um flagelado caído em profanos trunfos.

Joelhos calejados, o milho evoluiu a cuscuz.
Ombros cansados, doídos. Merecido
-Ou não-, bem sabe Deus de minha oração,
Já conheço o peso de minha cruz.

Eu soberano, mestre do desejo,
Também já fui traído com o santo beijo.
Tesão, nunca fora amor.

Eu que já caí no abismo mais profundo,
Dei a tapa na face de um Cristo imundo,
Não houve outra face; revidou!


(Max da Fonseca)

16 de outubro de 2008

Lucas Matos





Lucas Matos é o poeta que abre a primeira edição. A sua poesia não possui caráter obscuro ou existencialista, seus versos são um despejar da sua ânsia momentânea, do seu pensamento sobre determinado tema. Ele reflete e escreve, simplesmente, como que jogando letras ao poema que, frente ao seu punho voraz e adaptável, é construído numa harmonia que, ouso comentar, surpreende ao próprio autor. Consegue prosseguir em muito dos seus textos de modo cadenciado e sem o uso da rima (apesar de utilizá-la bastante), como que apresentando uma idéia ou opinião em forma de verso e mostrando que de outra forma não o seria possível.

Atualmente Lucas está apaixonado e é cristão. Esse poema é de uma época em que ele não era nem um nem outro. Vale a pena conferir, o poeta não deve voltar a escrever dessa forma.



Se eu tivesse um amanhã
Ao meu amor, que vaga...

Se eu tivesse amanhã;
Eu te amaria hoje,
para me lembrar todo dia
que cada minuto longe
cada instante sem te ver,
É demais para mim.

Se eu tivesse amanhã;
talvez eu me declarasse agora
para mostrar que o meu amor,
diferente de outrora,
é emergente.
Talvez eu te ligasse chorando
dizendo tolices do passado,
se eu tivesse um amanhã.

Se eu tivesse amanhã;
eu não guardaria esses versos
eu lhe consumiria em beijos
abraços eternos,
e ficaria submerso
nessas tuas lágrimas!

Se eu tivesse amanhã;
contaria meus segredos,
enfrentaria nossos medos
e iria à sua casa
debaixo de tua janela
fazer serenata;
depois fazer amor.

Se eu tivesse amanhã;
eu poderia te amar
sonhar contigo, versejar,
mas eu não tenho, e o que tenho
é tão pouco, que me chamaria de louco
se lhe desse.

Se eu tivesse amanhã;
eu lhe teria eternamente:
no futuro, no passado, no presente.

Se eu tivesse amanhã.


Lucas Matos

12 de agosto de 2008

Tonho França


Uma das principais características de Tonho França é a capacidade de fazer o leitor se perder em sua harmonia. É difícil encontrar os pontos de suas rimas e freqüentemente nos pegamos perguntando: "Onde está a musicalidade deste verso?". O trabalho e a atenção oferecidas em sua poesia misturam-se com os temas bem desenvolvidos e a capacidade de nos deixar a vontade no decorrer dos seus poemas. O que mais se poderia dizer sobre este poeta?

Tonho França é sem dúvida um artista dos versos e uma das mais honrosas presenças na primeira edição de Na Borda da Xícara. Já foi feita uma extenção sobre este poeta no blog. Agora apresentamos um dos seus mais aclamados poemas: degustem com carinho.


Blues a tarde (com flauta doce...)

Pausa à tarde ecoa flauta doce
Pelos canteiros da avenida
Brilha um alecrim-de-angola distraído
O charuto cubano mantém-me sóbrio
Apesar do cheiro de anis,
(não aspiro à pressa dos prédios e dos homens)
Os elevadores presos no subsolo
Deixa-me com sensação de liberdade e improviso
(lembra-me blues, solos de blues)
Ainda tenho uma ampulheta,
Uma estatueta de louça
Fotos onde amarelam sorrisos brancos de tantos amigos
(todos ali estáticos como se não houvessem partido)
Um sax americano dos anos sessenta
E alguns selos antigos
(o camelô da esquina vendia-me até sonhos...)
mas o charuto cubano é legítimo
essa lágrima que verte sozinha, é legitima
o verso que hoje não escrevi
fez-se por si e é legítimo
e essa pausa na tarde que ecoa flauta doce,
faz o sol pôr-se em mim, sol em mim
solos de blues,
solos de blues,
solos de mim...

(Tonho França)

25 de julho de 2008

A Poesia de Luís Antonio Cajazeira Ramos

Aqueles que já conferiram a nossa primeira edição, com certeza, notaram o genial trabalho de Luís Antonio Cajazeira Ramos, que nos vem nesta edição como o Poeta Homenageado.

Luís Antônio Cajazeira Ramos nasceu em 12 de agosto de 1956 em Salvador, onde ainda mora. É professor da UCSAL (onde é formado em Educação Física e Direito), funcionário do Banco Central do Brasil, membro da OAB, sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e conselheiro editorial da revista Iararana. Tentou ainda os cursos de Engenharia Elétrica e Agronomia, ambos na UFBA, mas os abandonou. Possui poesias em muitas antologias e sempre está a publicar resenhas e poesias em periódicos, cuja listagem de tudo pode ser facilmente encontrada por meios virtuais. Por livros de poesia começou com “Tudo Muito Pouco” em 1983, livro que boa parte da impressão foi queimada pelo autor. Voltou com “Fiat Breu” em 1996 e “Como Se” em 1999, que lhe rendeu menção honrosa do prêmio nacional Cruz e Sousa. Em 2002 saiu “Temporal Temporal”, que recebeu o prêmio Gregório de Matos promovido pela Academia de Letras da Bahia, e em 2007 lançou “Mais que Sempre”, sendo este uma coletânea feita por Cajazeira para comemorar seus cinqüenta anos, acrescido de alguns novos poemas.

Cajazeira é um misto entre o erudito e o vulgar, deixando transparecer uma sensibilidade lírica impetuosa. Seus versos podem ser apreciados por um romântico nato, como em Tudo que fica, ou por aqueles apaixonados por versos soltos e pesados, como em Pantomima. O que mais chama atenção talvez lhe seja o domínio da língua e como ele lida, em muitos dos seus poemas, com uma ‘complexidade entendível’; “Só os que possuem um ouvido absoluto sabem dos sons da palavra. Luís Antonio Cajazeira Ramos tem ouvido absoluto.” (Soares Feitosa, Jornal da Poesia). Em termos de contexto, Cajazeira possui muitos “eus” que somam uma verdade, ele “concede alforria ao personagem de si mesmo” (Antonio Carlos Secchin, orelha de Mais que Sempre).

Ele é díspar, ousado e invasivo. Não há Deus que o subjugue, nem coração que o caiba. Fã da música clássica erudita, seu redentor é Ludwig van Beethoven.

Cheio de peculiaridades, dedica seus livros à Laura Júlia, aquela que ele afirma ser o ‘outro’ num Universo onde tudo seria o ‘eu’.

Alguma poesia do mestre:

Basta, Coração!

Onde jaz, coração, meu peito é morto.
Uma pétala pálida - eis a pele.
Em ardências de vela esvai-se o corpo.
Do porto inútil parte um sol de neve.

Horizontalizaram-se as ladeiras.
Os horizontes viram-se sem prumo.
Os fios desaliaram-se das teias.
O Deus de todos debandou do mundo.

Quanta lágrima súbita? Nenhuma.
O mesmo pranto paira e espraia a bruma.
Mas o olhar sobra ao choro cego e vê.

Nem sei se a vida vale a flor que espreito.
Coração, tem-me à força em dor sem jeito.
Eu morro de vergonha de você.

(Luís Antonio Cajazeira Ramos)

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Véspera do dia dos mortos

Eu não amei meu pai como devia.
Houve o dia de amá-lo e não o amei.
Ele morreu, e não nasci ainda.
Amanhã levantei sem seu amor.

Nenhum conselho amigo soa seu.
Uma vida padrasta me acompanha.
Meu caminho não quis olhar pra trás.
Tão longe de meu pai me abandonei.

Nem meu, nem de ninguém, nunca fui seu.
Não me quis dar a quem eu estranhava.
Só teu colo, mamãe, era aconchego.

Do pai, resta-me um calo de silêncios.
Ai, arranco do peito o corpo estranho.
Coração, cava o chão, busca meu pai.

(Luís Antonio Cajazeira Ramos)

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Pantomima

Os melhores cordeiros da fazenda
seguirão para o abate na cidade.
Os carneiros mais fracos do rebanho
serão sumariamente degolados.

O bode velho vai pro sacrifício,
por mais que seu olhar peça clemência.
Nem mesmo as cabritinhas inocentes
terão misericórdia ou esperança.

As carnes assarão ao sol: fogueira.
As peles secarão ao sol: curtume.
As vísceras suarão ao sol: carniça.
Os ossos sumirão ao sol: poeira.

Somente a ovelha negra fica impune
...enquanto o bom pastor toca sua flauta.

(Luís Antonio Cajazeira Ramos)

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16 de junho de 2008

PRIMEIRA EDIÇÃO!


Saudações literárias!

A Xícara está de pé, e está para provar que a união ainda faz a força e muita força!

Dia 14 de junho sai da gráfica a tiragem de 1.000 exemplares da revista Na Borda da Xícara.

Agradecemos a todos os autores que participaram e estiveram firme e forte conosco até o fim. Devo confessar que foi a confiança que vocês nos depositaram que moveu esse projeto e o perpetuou. Estamos imensamente felizes com o resultado final desta primeira edição e o trabalho para a segunda já começa desde já.

Rogamos aos leitores que nos enviem e-mails, comentem aqui no blog, participem da comunidade. Nosso principal retorno é a crítica, esse comentário construtivo e saudável.

Essa primeira edição, como já diria o Fabrício, provou de muitos ingredientes. Temos conosco 14 autores. Dez poetas (dentre os quais um é poeta homenageado pela nossa revista: Luís Antonio Cajazeira Ramos), dois contistas, um ensaio crítico (Almandrade) e um entrevistado (José Inácio Vieira de Melo).

Eu, Max da Fonseca, em minha posição de leitor, ouso-me nesta síntese, a princípio, dos três primeiros poetas da revista: Lucas Matos, Tonho França e Lia Megi.
(outras sínteses ocorrerão nas próximas postagens)

•Lucas Matos: nascido em Salvador-BA, professor da nossa Literatura, casual, centrado e minimalista. Possui um romance em verso chamado “A Mão Negra e a Flôr”.
Lucas nos chega com duas poesias: “NOVA-MENTE” em que fala do poderio do amor e de como apenas ele permanece perfeito quando o poeta afunda-se em flagelos; e “O HINO”, onde faz uma paródia do Hino Nacional Brasileiro, questionando as citadas maravilhas de nossa nação e concluindo com uma referência ao espírito capitalista que domina os caminhos da nação.

•Tonho França: pseudônimo de José Antonio Muassab França, nascido em Guaratinguetá-SP, é autor de três livros “Entre Parênteses”, “Sinos de Outono” e “Blues à Tarde”.
Tonho nos vem com duas poesia atípicas: “DESCRENÇA”, onde o poeta confessa não se encontrar nos confessionários e aponta ‘as pessoas’ em um caminho inexorável de aceitação completa de uma verdade não-absoluta; e “CENSURA”, onde o poeta abomina a repressão e enaltece-se em sua condição de poeta, portador do dom da palavra, em superioridade à censura ideológica.

•Lia Megi: reside em Salvador-BA, estudante de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. Lia não possui obras publicadas.
Lia nos traz duas poesias sensíveis e delicadas: “CHOCOLATE E ANIS” uma poesia apegada às sensações, teor hedonista; em “ARDE A ARTE” a poetisa em uma contemplação, talvez obsessiva, à arte em todas as suas variantes, inflama-se em um gozo literário e coloca a arte acima de sua própria vida.

21 de março de 2008


Temos por objetivo produzir uma revista de caráter literato-cultural, que valorize a arte de cada um de seus colaboradores (seja em forma de verso ou prosa), utilizando do espaço disponível da melhor maneira possível e sempre passível à opinião deste último. Nosso foco são os autores/colaboradores, de modo que a revista visa a ascensão de cada um destes, colaborando, como conseqüência, para a disseminação da cultura.
Necessitamos da parte de vocês, degustadores, que exteriorizem suas opiniões sobre a prosa ou verso encontrado por aqui.

Forte abraço da confraria Na Borda da Xícara!